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Assumindo a cozinha: uma luta feminina?





Quem nunca ouviu ou leu sobre algum nutricionista recomendando que você assuma o comando da própria cozinha? Eu mesma guardo essa frase na ponta da língua pois sabemos a quantidade de ingredientes não desejados que vem “de brinde” quando compramos industrializados e comida pronta em geral. Na sua cozinha não, é uma maravilha o nível de controle que você ganha sobre aquilo que vai comer: quer uma receita light? Dá um google nela! Quer menos açúcar, uma versão integral, faltaram os ovos e quer substituir, virou vegano? Sempre tem uma receita por aí, com vídeo e tudo, do jeitinho que você quer comer levando em conta todas essas suas necessidades/curiosidades. E ainda tem o fato de que você define a qualidade dos ingredientes utilizados: se vai ser orgânico, transgênico, marca cara ou barata, direto do produtor ou do mercado mesmo, é você quem manda. Controle TOTAL!


Tudo muito bem, tudo muito bom, mas não podemos deixar de pensar na logística dessa tarefa. Cozinhar envolve muita coisa: planejar, comprar, guardar, higienizar, preparar, servir e limpar, UFA! Dá um cansaço só de pensar, né? E se a gente pára e lembra a quantidade de refeições por dia que fazemos, haja tempo pra dar conta de tudo isso sem recorrer às coisas prontas. E bem sabemos que tempo é dinheiro, não é?


Quando colocamos todas essas funções em evidência não dá pra deixar de pensar em um detalhe muito importante sobre cozinhar a própria comida: quem vai fazer tudo isso?


Caso você ainda não conheça o tema, a economia do cuidado é algo que vem sendo estudado mais e mais desde a entrada e fortalecimento da mulher no mercado de trabalho e trata de todas as funções que envolvem a rotina da nossa existência e o cuidado que isso exige. Trata da limpeza da casa, de quem cuida dos nossos velhos e crianças, quem educa, quem lava as roupas, quem compra e faz a comida, quem gerencia as tarefas da casa e quem planeja e orienta essas tarefas, quando são feitas por outra pessoa. A economia do cuidado trata de um trabalho constante, diário, trabalhoso e não remunerado que, na maioria dos casos, é feito por mulheres. Agora na pandemia, com a dificuldade da terceirização desses trabalhos, ficou tremendamente evidenciada a importância dessas funções e a sobrecarga que elas impõem na vida familiar e, em geral, para as mulheres.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, realizada em 2001 e também em 2015, demonstrou que mais de 91% das mulheres entrevistadas realizam tarefas domésticas, enquanto entre os homens esse percentual subiu de 45%, em 2001, para 55% em 2015, mantendo ainda uma diferença importante. As mulheres gastam, em média, 61 horas por semana em trabalhos não remunerados no Brasil. Nas tarefas envolvidas no preparo do alimento, por exemplo, como preparar, servir e limpar depois, 97% das mulheres referiram se envolver contra 60% dos homens (Pnad, IBGE). Isso indica o quão desafiador pode ser assumir a realização das próprias refeições, ainda mais se estivermos falando com uma mulher. No gráfico abaixo, a autora Ana Luisa Barbosa, em sua pesquisa “Tendências nas horas dedicadas ao trabalho e lazer” (2018), demonstra o peso das atividades não remuneradas na rotina diária de uma mulher (imagem obtida no site “Think Olga - Mulheres na pandemia”).





Nós nutricionistas temos que ter certo cuidado nas expectativas em relação a essa recomendação: valorizar a importância de que se assuma o controle da própria cozinha, sim, porém com respeito à disponibilidade de quem se acompanha e o cuidado de entender primeiro todo o contexto de vida dessa pessoa. Trazer receitas saudáveis práticas pode ser uma estratégia que leva em consideração essa realidade. Também é importante, ao aconselhar homens, incentivar o envolvimento e sua responsabilização ao se pensar nessas tarefas, tal e qual suas parceiras.


E como podemos lidar em nossas casas com essa recomendação tão importante para a mudança de hábitos alimentares? Como dizia a escritora e feminista nigeriana, Chimamanda Ngozi Adichie:


“Podemos mudar as mulheres o quanto quisermos, se os homens não mudarem, nada muda, porque compartilhamos o mundo”



Vemos acima alguns dados a respeito da opinião masculina sobre algumas questões envolvendo diferenças de gênero, obtidas no “Relatório da Paternidade Promundo” de 2019 e na pesquisa “O papel dos homens na desconstrução do machismo” realizada pelo Instituto Avon/Locomotiva, em 2016, ambas divulgadas nessa imagem do report “Pais em casa” da 4Daddy junto às pesquisadoras Camila Pires Garcia e Tayná Leite. Essas opiniões apenas expõem uma realidade que nós mulheres vivemos em nossas rotinas diárias e evidenciam o quão enraizado está o pensamento machista em nossa sociedade que acaba por ser praticado com as ações de ambos os gêneros, no decorrer das atividades diárias.


Eu recomendo que você tire um minutinho para ler essas opiniões acima. É importante para nós mulheres entendermos esses fatos para assumirmos juntas essa luta por nossos direitos. O tempo que uma mulher assume sozinha as tarefas domésticas não remuneradas é um tempo que ela deixa de realizar atividades de trabalho que poderiam render autonomia financeira e maior comodidade em sua vida. Não digo que devemos desvalorizar ou mesmo deixar de fazer as tarefas domésticas e familiares não remuneradas, mas sim, entender a importância de compartilhar essas responsabilidades com os homens no seu entorno: amigos, familiares, parceiros, filhos, etc.


Mas nutri, a gente não estava falando sobre a importância de cozinhar nossas próprias refeições? Fui tão longe no debate pois o mesmo vale quando falamos das tarefas na cozinha. A luta por uma rotina compartilhada, por parceiros, filhos e familiares mais envolvidos na hora de planejar, comprar, higienizar, preparar, servir e limpar a cozinha é também nossa. Como essa divisão do trabalho nos permitiria ter mais tempo para nossas outras atividades, como praticar uma atividade física ou mesmo se envolver no seu trabalho ou sair com suas amigas, por exemplo, essa luta deve ser de todas nós! Por isso venho aqui como nutri, mas também como mulher, convidar você e sua família para esse debate: não abram mão de cozinhar pela dificuldade, conversem, compartilhem essa tarefa e desfrutem juntos dos frutos que a culinária pode trazer!


Agradeço mais uma vez pela atenção, até a próxima! ;)


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